sexta-feira, 30 de junho de 2017

Apenas em reflexos fugidios


Para A.

A viagem seguia modorrenta
até que vi
no vidro da janela refletido
o rosto de um dos passageiros.

"Ei, é o A.", pensei comigo
apenas para em seguida lembrar
que há uns dois anos
A. estava morto.

Nunca fomos muito próximos,
A. e eu.

Mas quando perdi meu filho
ele deixou uma mensagem
dizendo que eu poderia procurá-lo
a qualquer hora
-qualquer hora, não importa!-
frisou na mensagem
          quando eu precisasse.

Pouco tempo depois
ele próprio se foi.

Não me lembro de ter agradecido na ocasião.

Você sabe, estamos abalados, fora de órbita etc.
e só depois as coisas voltam
         ao tempo próprio.

Acho que não agradeci na ocasião, portanto.

E tampouco poderei mais fazê-lo.

A. está agora, com meu filho, em outras paragens
acessível apenas em reflexos
fugidios em vidro espelhado.


quinta-feira, 22 de junho de 2017

A mesma melancolia


o poema citado
é este

Acordei em ligeiro sobressalto
dentro de um
familiar cenário:

ônibus apagado
e gelado de ar condicionado

pela janela, a serra
parecia
de tão escura

uma massa de treva
noite adentro.

Pensei em escrever,
enquanto melancólico
esfregava olhos

um poema sobre isso.

Mas lembrei que já o fizera
há três anos

o mesmo cenário

a mesma serra noturna

o mesmo ar gelado

a mesma melancolia

          déjà vu

                    diriam alguns.



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